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“Villa-Lobos foi o maior didata de música do Brasil”
Por Luciana Bento
Um dos maiores violonistas clássicos brasileiros, com mais de setenta discos gravados, Turíbio Santos tem uma relação especial com Heitor Villa-Lobos. Ele não só é reconhecido com um dos grandes intérpretes da obra do maestro para violão como dirigiu, por 24 anos, o Museu Villa-Lobos, no Rio de Janeiro – auge de uma trajetória “de encontros, reencontros e caminhos cruzados com a vida e obra do maestro”, nas palavras do próprio Turíbio.
O início desta caminhada “cheia de mistérios”, como ele descreve, aconteceu em 1958, quando Turíbio tinha apenas 15 anos e esteve pessoalmente com Villa-Lobos. Na ocasião, ele registrou informações inéditas que serviram de referência para toda uma geração de violonistas do Brasil e do mundo.
Defensor do ensino de música nas escolas brasileiras e responsável pela criação dos projetos educacionais Dona Marta (para moradores da comunidade Santa Marta, no Rio de Janeiro), Villa-Lobinhos e Villa-Lobos e as Crianças, Turíbio Santos recebeu a Revista Tuhu em sua casa, para um agradável bate-papo. Confira!
Pouca gente sabe, mas o ensino da música em escolas públicas já foi realidade no Brasil. O senhor pode nos contar um pouco desta história?
Não há como falar deste assunto sem evocar a figura de Villa-Lobos. O que ele fez em termos de ensino musical no País foi uma coisa extraordinária, uma coisa única. Ele voltou pro Brasil em 1930, depois de uma temporada na Europa, com uma ideia na cabeça: implementar a educação musical nas escolas, ensinando para os jovens canções folclóricas, hinos patrióticos e ritmos brasileiros.
Ele faz a proposta para o então presidente Getúlio Vargas, que abraçou a ideia. As pessoas ingenuamente dizem que Getúlio se aproveitou do Villa-Lobos, mas eu acho isso uma bobagem infinita.
De fato esta é uma grande crítica que recai sobre o maestro…
Na verdade o Villa-Lobos é que viu, à época, um caminho aberto para implementar o seu projeto já que Getúlio queria o apoio dos intelectuais para o seu governo. Ele viu a oportunidade e se colocou nesta estrada: criou a Superintendência de Educação Musical e Artística (SEMA), criou uma plêiade de excelentes professores, instituiu o manossolfa como método de ensino, tocou com 40 mil estudantes no estádio do Vasco e do Fluminense… Olha só que impressionante!
Ele fez tudo isso e ainda fez o Guia Prático. Ele era um memorialista, gostava da memória sonora do País, das canções folclóricas, populares, patrióticas… Ele queria, com o Guia Prático, que todo mundo tivesse acesso a este universo, que usasse este método como ele mesmo usou.
Ele, aliás, era um autodidata genial. Estudou violão com os chorões na rua, com quem tocava cavaquinho, bandolim, estudou todos os grandes mestres do violão, ele mesmo fazia o seu currículo e era super rigoroso com os seus estudos.
Qual sua opinião sobre o Guia Prático? Ele é ainda atual?
Completamente! Eu não conheço nada mais eficiente do que o sistema dele, é uma grande
referência para o ensino de musica. Villa-Lobos é o maior didata de música do Brasil.
O senhor chegou a ter aulas de música nas escolas?
Tenho 73 anos, fui da geração que foi iniciada musicalmente nas escolas. Estudei no colégio Freitas Lima, no Rio de Janeiro, e quem nos ensinava era a dona Elisa Freitas Lima, uma daquelas professoras formadas pelo Villa-Lobos pelo SEMA. Com ela aprendi fazer a segunda voz de “Feliz Aniversário”, cantar hinos… Aliás, o hinário brasileiro é lindo, o nosso Hino da Bandeira é lindo.
Entendo que foi uma experiência que deu certo no País. Mas hoje temos uma outra realidade, novos desafios, uma rede de ensino bem maior… Como o senhor vê o ensino da música na atualidade?
Temos um impasse hoje, que é basicamente o mesmo que Villa-Lobos teve na época, quando o Brasil tinha 30 milhões de habitantes. Hoje temos 230 milhões de habitantes, como colocar o ensino de música em cada escola?
A primeira coisa que precisa ser feita é abrir mão da ilusão de que vamos colocar uma orquestra sinfônica em cada escola. Não vamos. Cada escola tem que ter um professor que faça a iniciação musical das crianças – o que não é coisa do outro mundo. Hoje as crianças são muito absorvidas pelo visual, pelas imagens. Temos que cativa-las para o “panorama sonoro”, mostrar os sons e barulhos da vida.
Agora por exemplo estou ouvindo o barulho do ventilador, do vento, dos macaquinhos nas árvores… O Brasil tem uma sonoridade maravilhosa: os pássaros, as maritacas que fazem festa na janela, a coruja que passa à noite fazendo saudações, uma costa enorme com todo o tipo de marés, a brisa, o vento, as florestas, as aves… Tudo isso é iniciação a musical.
Depois você entra com ritmo, com o corpo, a voz, um pouquinho de dança, mostra vídeos de índios dançando, insere instrumentos simples como a flauta doce… Você tem meios muito simples de fazer esta iniciação musical no Brasil.
Temos que cair na real, nem todas as escolas podem ter uma estrutura completa, embora talvez alguns estados e algumas escolas possam proporcionar isso. Mas é importante fazer sugestões para as escolas e não imposições.
Eu vi, na época da discussão da lei, gente que queria instrumentos caros em todas as escolas, pianos, trombones, violinos… Não é a realidade, pra mim tem gente querendo ganhar dinheiro com isso. Tem que fazer o que é possível e tentar melhorar sempre.
O senhor tem uma relação muito interessante com o maestro Villa-Lobos, não? Além de ser um de seus maiores intérpretes, dirigiu o Museu Villa-Lobos, criou vários projetos sociais inspirados no maestro… Conta um pouquinho pra gente?
Villa-Lobos está sempre numa encruzilhada na minha vida. Ele faz aniversário no dia 05 de fevereiro, eu faço no dia 07. Conheci ele em um a circunstância espetacular, quando eu era um adolescente, e – a partir das anotações que fiz neste encontro – soubemos os nomes dos prelúdios para violão que ele compôs e dedicou à Arminda, sua esposa.
Ele não havia nomeado nem divulgado as homenagens, fez isso no dia que nos encontramos e foi uma informação que influenciou violonistas do mundo inteiro.
Villa morreu no ano seguinte. Arminda me viu tocar e me convidou pra gravar o primeiro disco do Museu Villa-Lobos. É uma coisa de energia mesmo.
Para finalizar, por que o senhor defende o ensino de música nas escolas públicas brasileiras?
Sou sempre favorável pois o ensino da música passa pra criança o amor, respeito ao próximo, noção de espaço, de coletividade, trabalho, bem-estar físico… Ela forma cidadãos, forma pessoas.
Creio que esta é a principal razão para se ensinar música para nossas crianças e jovens. Se eles vão ou não virar músicos, esta é outra história. O primeiro passo é pensar na coletividade.
Acredito que o ensino da música em todas as escolas é inevitável, é algo que vai tomar uma dimensão muito grande, inclusive com a ajuda da informática e tecnologia – embora a música também nos diga: “precisa soprar, pegar no metal, na madeira, sentir o instrumento…”
Fazer musica é um ato físico importantíssimo, então a tecnologia tem um limite. Mas pode e deve ser utilizada. Eu mesmo estou com 73 anos e cuido bem de mim, da minha saúde, do meu físico, pra poder tocar violão. Tenho que estar bem para este encontro com meu amigo violão.