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“O uso da tecnologia é um caminho sem volta”
Aprender música sem, necessariamente, utilizar um instrumento. Esta realidade, estudada em pesquisa coordenada pela professora Liane Hentschke, é possível graças a uma aliada que não pode mais ser ignorada em sala de aula: a tecnologia.
Professora do Departamento de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Liane estudou a aplicação do método E-Som – de ensino da música por meio de softwares livres – em quatro contextos diferentes: duas escolas públicas (municipal e estadual), uma escola particular, um projeto social.
Entusiasta do ensino de música nas escolas, a professora resume o resultado de sua pesquisa em uma recomendação: “Não há como retroceder no uso da tecnologia. O ponto agora é capacitar os professores para que ele não se sinta sabendo menos do que os alunos”.
A senhora coordenou uma pesquisa sobre tecnologias digitais aplicadas à educação musical, com uso de softwares livre. Como acontece esta inserção da tecnologia dentro da sala de aula?
O uso da tecnologia em sala de aula hoje é muito diferente de uma década atrás. Hoje é um fenômeno globalizado, não tem como retroceder. Muitos cursos de graduação não capacitam os professores para essa atuação com tecnologia, mas eu considero um caminho sem volta.
Mas como os professores estão percebendo o uso de novas tecnologias? Como uma aliada? Qual é a tendência?
Vejo que o professor muitas vezes recebe o material mas não recebe formação, tem que se virar com aquilo. Eu não acredito na utilização de tecnologias em sala de aula sem formação do professor pois a grande maioria deles não são nativos tecnológicos.
Os nativos tecnológicos hoje têm 17, 18 anos. Os demais, como nós, foram aprendendo a utilizar as ferramentas tecnológicas aos poucos. Então, este contato assusta em um primeiro momento.
Se os professores tiverem formação, ajuda muito. É muito comum a gente ouvir: “Nossa, eu pensei que fosse mais difícil”. Mas se você entrega o material e deixa ele sozinho, ele vai ficar perdido. É necessário um acompanhamento.
Que tipos de ferramentas mais têm sido utilizadas no ensino da música dentro das escolas?
Principalmente o Youtube e aplicativos. Utilizamos muito aplicativos de composição, que separam cada instrumento, e isso as crianças gostam muito. Você pode compor com os colegas de sala, da mesma escola, de outras escolas ou até de outras cidades e países. É tudo online hoje em dia.
E os alunos, como eles reagem ao uso dessas tecnologias em sala?
Se não trabalharmos com dispositivos tecnológicos em sala de aula, vamos ter crianças desinteressadas. Isto é fato.
O grande desafio é fazer com que o professor não sinta que o aluno sabe mais do que ele, já que os jovens dominam os softwares, programas, aplicativos… Se você ver o que existe hoje neste campo, é inacreditável. Eles montam bandas por conta própria, dentro do quarto.
Por isso é importante para o professor ter uma visão mais contemporânea de educação, considerando também o que o aluno traz de conteúdo para a sala de aula. Neste modelo, o professor se torna um gestor de aprendizagem.
Existe algum tipo de política pública para incentivar estas iniciativas?
O Ministério da Ciência e Tecnologia tem facilitado o financiamento de projetos com esta finalidade. E tem o programa Mais Educação, do Ministério da Educação, voltado para as artes e para música como um todo, não necessariamente tecnologia.
Hoje a tecnologia é o carro chefe do mundo e é importante que o Brasil acompanhe isso, incluindo a educação musical, que é uma coisa muito séria.
Em sua pesquisa, vocês acompanharam a aplicação da metodologia E-Som em quatro escolas. Com os recursos tecnológicos de hoje, há a necessidade de utilizar algum instrumento musical de forma física em sala de aula?
Com o uso de tecnologias e especificamente a metodologia que utilizamos, não é fundamental a utilização de um instrumento. Mas, se for possível, é muito importante que os alunos tenham acesso ao instrumento musical, à execução de composições e tudo o mais.
E que tendências a senhora apontaria daqui pra frente, no horizonte de uma década?
Nós não temos como fugir do ensino de disciplinas mais humanistas na escola. Estamos vivendo um problema sério de educação no Brasil, que é atribuído a uma série de fatores mas não ao problema real, que é a capacitação de professores.
O ensino no Brasil é tecnicista, priorizam o português e a matemática para formar mão de obra e preparar as pessoas para passar no vestibular. Nós estamos formando trabalhadores, nós precisamos formar cidadãos.
Então a senhora vê com bons olhos essa nova lei que torna o ensino da música obrigatório?
Com muito bons olhos! Tanto que eu estive à frente desta luta durante 20 anos e conseguimos a inclusão do conteúdo musical nos currículos escolares. Ainda há um caminho a percorrer, mas já conquistamos muita coisa. Hoje precisamos evoluir urgentemente na questão tecnológica.
Existem muitos estudos que mostram a desmotivação dos alunos pela pedagogia tradicional, eles querem coisas novas, diferentes, ligadas à realidade deles. Não temos como fugir.