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O canto orfeônico e a formação de professores
Wilson Lemos Júnior *
Foi no ano de 1854 que se instituiu oficialmente o ensino de Música nas escolas públicas brasileiras e apenas em 1890, durante a Reforma de Benjamin Constant, é que foi exigida legalmente a formação específica para o professor de Música. A legislação previa que músicos preparados em conservatórios poderiam lecionar, uma vez que não haviam cursos específicos para a formação de professores nesta área.
Até 1930, o ensino de Música estava previsto na legislação educacional, porém, com imensa dificuldade de expansão em nível nacional. Após a parceria estabelecida entre o presidente Getúlio Vargas e o maestro e compositor Heitor Villa-Lobos, o ensino de Canto Orfeônico passou a ser inserido não apenas nas leis e decretos federais, como na realidade das escolas brasileiras.
O Canto Orfeônico, apesar de ser semelhante ao Canto Coral, ajustava-se à ideia de multidões, pois não era necessário aos seus integrantes possuir conhecimento profundo de técnica e teoria musical, como era o caso do coral tradicional.
Baseado nesta premissa, a prática de Canto Orfeônico, que já vigorava em território europeu desde o século XIX, foi adotada como uma possibilidade plausível de aplicação nas escolas brasileiras.
Villa-Lobos empenhou-se pela obrigatoriedade do Canto Orfeônico na educação básica brasileira, além de promover diversas concentrações orfeônicas, que eram apresentações vocais constituídas por um grande número de estudantes dos diferentes níveis. Em 1940, por exemplo, Villa-Lobos regeu 42 mil estudantes no Estádio do Vasco da Gama no Rio de Janeiro – a maior concentração realizada até então.
Juntamente com a expansão da disciplina de música na educação básica, Villa-Lobos preocupava-se com a formação de professores para atuarem com o Canto Orfeônico. Para isso, foi criada em 1932, sob a direção do maestro, a Superintendência de Educação Musical e Artística (SEMA), que seria responsável por organizar o curso de Pedagogia da Música e do Canto Orfeônico em território nacional.
Por meio da SEMA e orientado por três finalidades – disciplina, civismo e educação artística – Villa-Lobos organizou cursos especializados de Canto Orfeônico para professores.
Em 1942, o maestro Villa-Lobos inaugurou o Conservatório Nacional de Canto Orfeônico com a finalidade de formar professores e de oferecer um programa modelo para os cursos de formação de professores de Canto Orfeônico no país.
No entanto, foi após o fim do governo Vargas, por meio do Decreto-lei n.º 9.494/46, que o Canto Orfeônico sofreu um processo de reformulação. O Decreto-lei previa a uniformização da formação de professores de Música no Brasil por meio da equiparação de “filiais” estaduais ao Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, o que ocorreu gradativamente nos anos seguintes.
O ensino de Canto Orfeônico no Brasil foi enfraquecido com a morte de Villa-Lobos em 1959 e extinto oficialmente da educação básica com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 4.024/1961), que substituiu o Canto Orfeônico pelo ensino optativo de Música.
No ano de 1971, com a LDB 5.692, o ensino de Música foi substituído pelo de Educação Artística, de caráter polivalente e que deveria abordar os conteúdos de Artes Plásticas, Música, Artes Cênicas e Desenho. Em 1973 foram publicadas resoluções que estabeleciam a substituição da formação de professores de Música pela de Educação Artística com habilitações específicas.
No ano de 2008, foi estabelecido, por meio da Lei 11.769, um anexo ao artigo 26 da LDB, incluindo a obrigatoriedade do ensino de Música nas escolas. Em suma, percebe-se que a lei visava corrigir alguns dos problemas recorrentes do caráter polivalente do ensino de Arte nas escolas.
Neste sentido, a Lei 11.769/2008 garantiria a presença da Música na escola, o que já deveria ser uma realidade desde 1971. Deve-se destacar que a Lei 11.692/2008 não propõe que a Música se torne uma disciplina, mas sim um conteúdo, um componente curricular obrigatório.
Apesar de haver atualmente algumas comparações entre o período atual e o que vigorou o ensino de Canto Orfeônico, há uma clara diferença entre os dois: na época do Canto Orfeônico havia uma diretriz, ou seja, uma preferência pelo ensino do canto, o que não ocorre nos dias atuais.
Neste sentido, torna-se necessário estabelecer como e em que frequência ocorrerão as aulas de Música na escola, além de decidir as prioridades do que ensinar, elementos que Villa-Lobos tinha em mente quando propôs a disciplina de Canto Orfeônico para Getúlio Vargas.
* Doutor em Educação pela PUC-PR, é professor de Artes e História da Educação Profissional do Instituto Federal do Paraná