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Que música apresentar aos pequenos?
Por Luciana Bento
Arca de Noé, Castelo Rá-Tim-Bum, Cocoricó, Adriana Partimpim, Sítio do Picapau Amarelo, Saltimbancos, Palavra Cantada… Referências de música infantil de qualidade, estas criações embalaram gerações de crianças brasileiras que cresceram ao som de Gilberto Gil, Vinícius de Moraes, Arnaldo Antunes, Nara Leão, Chico Buarque, Paulo Tatit – cantores e compositores destas obras.
Um pouco antes, toda uma geração se deliciou com a clássica Coleção Disquinho, de contação de histórias, cujas músicas incidentais tinham arranjos de ninguém menos do que Radamés Gnatalli. E, mais recentemente, artistas como Pato Fu, Mawaca e O Pequeno Cidadão – grupo formado por Arnaldo Antunes e Edgard Scandurra e seus filhos – se esmeram em composições voltadas para os pequenos.
Grandes artistas acabam conferindo um selo de qualidade às canções. Mas o universo musical a que as crianças tem contato é amplo e muitas vezes chega a dúvida: como avaliar se a música apresentada para crianças é boa ou não? Elas se interessam e são influenciadas apenas pelas músicas feitas especialmente para elas? Como garantir que seus filhos não sejam expostos a músicas inadequadas à sua idade? E mais: como fazer esta seleção sem priva-los da diversidade de gêneros e estilos cada vez mais acessíveis a crianças e adultos?
Muitos pais que se empenham em oferecer um repertório musical de qualidade para suas crianças ficam arrepiados só de imaginar no que os filhos podem ouvir fora de casa, longe de sua supervisão. Afinal, ninguém está imune aos modismos, letras simplórias e imposições comerciais da indústria fonográfica – que fazem com que músicas e artistas se tornem onipresentes de uma hora para outra.
Preocupação que precisa ser relativizada, segundo a professora Magali Kleber, doutora em Educação Musical e professora aposentada pela Universidade Federal de Londrina. “Precisamos ver estes fenômenos sob uma perspectiva histórica e desprovidos de preconceitos. “O que é modismo se dissolve por si só. Mas o que é consistente, tem lastro, se mantém”, explica.
Ela ressalta que qualidade musical não está vinculada a gêneros musicais e sim à riqueza rítmica e melódica, à sofisticação estética e também ao contexto onde as canções e manifestações culturais estão inseridas.
“O jazz norte-americano já foi considerado uma música ‘menor’ por ser uma manifestação cultural dos negros, assim como o hip-hop, o samba, o forró, o repente e o rap”, alerta. Ela lembra que as músicas apresentadas pelos trovadores na Renascença, que hoje é tida como erudita, sequer era considerada arte na época. “É preciso ter muito cuidado ao generalizar gêneros e ritmos, sobretudo aqueles nascidos na marginalidade. Muitas vezes estas avaliações são carregadas de preconceitos”, alerta.
Para ela o segredo está na valorização da diversidade. “Não existe uma hierarquia de estéticas, um funk pode ter uma qualidade excepcional enquanto uma MPB pode ser ruim. O que diferencia a música de qualidade é a complexidade, autenticidade e riqueza musical destas canções”, destaca.
O professor de Danças Populares da UFRJ, Renato Mendonça, procura seguir este caminho com seus quatro filhos. “Você só pode falar que não gosta de algo se você experimentar. Apresentar a diversidade musical sem hierarquias, criando a possibilidade da criança escolher a partir do que conhece e experimenta é a melhor forma de dissolver preconceitos”, diz.
Seus filhos costumam ouvir de Djavan a MC Sophia, passando por cirandas , jongos, cavalo marinho e forró. “O caminho para o preconceito é limitar o acesso às artes e à música. Existem os limites por falta de opção mas há o limite por prepotência também. Lá em casa tentamos ir na contramão da indústria de massa mas não a negamos por completo pois ela está na esquina, na escola, e as crianças vão ter contato com ela, cedo ou tarde”, alerta Renato.
A atriz e cantora Márcia Guzzo busca apresentar esta diversidade desde cedo para sua filha: aos dois anos, Cléo já frequenta aulas de música. “Meu objetivo primordial é incentiva-la desde sempre a ter uma cabeça aberta, ampliar seus horizontes, independente do que ela quiser ser no futuro”, explica.
Ela conta que além de ir a shows, peças teatrais e espetáculos infantis, estimula a filha com brincadeiras, histórias e jogos – um deles, o aplicativo Tuhu Musical, desenvolvido pelo programa Brasil de Tuhu: . “Eu acredito que o contato com qualquer linguagem artística ajuda a sair de dentro da forma, a manter os olhos abertos, a estimular a criatividade, a se desprender de padrões estéticos”, diz.
Parâmetros de qualidade
“Uma música de qualidade emociona crianças e adultos”, sintetiza a compositora, cantora e contadora de histórias Bia Bedran. Com 42 anos de carreira, ela passou grande parte de sua vida em contato com o público que a interessa diretamente: o infantil. “Tive oportunidade de mostrar meu trabalho para crianças de várias idades e classes sociais e posso dizer que a música de qualidade mexe com o corpo mas também com sentimentos e pensamentos. É aquela que deixa os olhos brilhando, que é lúdica, engraçada, divertida, poética”, diz Bia.
Criadora da expressão MPBIQ (Música Popular Brasileira Infantil de Qualidade), Bia Bedran compara a bem-vinda diversidade musical à alimentação: é preciso apresentar um cardápio variado de sons para a criança. “O princípio é o mesmo. O prato precisa ser colorido, diversificado, cheio de cheiros e sabores. É o que acontece com a música. A criança precisa entrar em contato com os vários ritmos, melodias, gêneros, instrumentos, culturas…”.
Para ela o conteúdo mais superficial também faz parte deste cardápio e a própria diversidade já é uma ferramenta contra as imposições da indústria e da mídia que, segundo Bia, reforçam estereótipos e preconceitos – muitas vezes com apelos eróticos e banalização da violência. “A boa música valoriza a inteligência da criança, abre seus caminhos, sua percepção de mundo e incentiva o respeito a outras culturas”, resume.
Para a professora Magali, as redes sociais oferecem uma quantidade enorme de informações, muitas vezes descontextualizadas, sem contato com a realidade da criança. “Mas há uma peneira natural, muitas destas informações se dissolvem por si só. As músicas repetitivas, monótonas, sem diálogo com a realidade, têm morte súbita, não passam pela peneira”, aposta. “É preciso considerar o contexto que a criança vive, é a partir deste caldo cultural que o gosto musical adulto se desenvolve”.
As amigas Tarsila Pupo e Giulia Pace, ambas 11 anos, corroboram esta ideia. Fãs da cantoras pop norte-americanas Demi Lovato e Melanie Martinez – de quem copiam coreografias da internet – as duas emendam a lista de artistas que os pais colocam em casa e gostam de ouvir: Beatles, Gilberto Gil, Arnaldo Antunes, Guns and Roses, Jorge Benjor, Luiz Gonzaga, Tom Zé, Criolo… Uma pista de que – para além das influências externas – o que se ouve em casa fica marcado no gosto dos pequenos.
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Baixe grátis o CD Brasil de Tuhu – Volume 1, composto por cantigas selecionadas do Guia Prático de Villa-Lobos. Para a gravação, o Quarteto Radamés Gnattali contou com os ilustres convidados Elba Ramalho, Joyce Moreno, Leandro Braga, Marcelo Caldi, Maria Teresa Madeira, Mauro Senise, Nicolas Krassik e Zeca Pagodinho