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Autocompaixão e alta performance
Uma das maiores autoridades mundiais em como lidar com a ansiedade antes de apresentações de alta performance, a norte-americana Helen Spielman começou sua carreira por acaso.
“Fui convidada para um encontro de flautistas e ofereci dar uma aula como contrapartida. Os organizadores escolheram este tema e gostaram tanto que no ano seguinte fui convidada a dar um mini curso sobre ansiedade antes de performances públicas. A partir de então comecei a ser chamada para apresentações em todo o mundo”, conta.
O sucesso, no entanto, não foi fruto de mágica. Helen já experimentou tudo o que aconselha aos seus clientes pois tem experiência com música (é flautista), educação e foi – ela própria – vítima de ansiedade antes de apresentações e palestras.
“A ansiedade é algo muito comum mas a maior parte dos músicos não falam abertamente da dor e frustração que sentem quando estão sob pressão”, diz. “E a ansiedade atinge não apenas os jovens músicos mas também profissionais de orquestras de alto nível, solistas e professores universitários”.
Neste artigo, cedido pela autora para publicação na Revista Tuhu, Helen Spielman desmistifica este sentimento e dá dicas práticas de como lidar com a ansiedade e se preparar emocional e psicologicamente para apresentações.
Conheça melhor o trabalho de Helen no site (em inglês): http://www.performconfidently.com
Por Helen Spielman
Tradução: Mariana Campos
Frequentemente ouço flautistas depreciando-se em ladainhas do tipo “eu não sou bom o suficiente”, “eu sou o pior no meu estúdio ou grupo de flauta”, “há algo de errado comigo”, “eu serei um fracasso se me atrapalhar na apresentação (ou durante o ensaio)”, ou “se eu não for duro comigo mesmo, nunca conseguirei realizar nada”.
Muitos pesquisadores agora indicam a autocompaixão como o antídoto para esse comportamento de repreender a si mesmo. Mas como tratar a nós mesmos com compaixão nos leva a tocar música com qualidade quase perfeita, muitas vezes sob grande pressão? Pode uma palavra amável – dentro de nossas próprias mentes – nos ajudar a tocar com mais prazer, mais serenidade e com um senso de pertencimento ao nosso grupo?
O que é autocompaixão?
De acordo com Kristin Neff, principal pesquisadora sobre o assunto no mundo, a autocompaixão tem três componentes:
Atenção plena (Mindfulness): consiste em perceber e nomear a nossa dor ou sofrimento, sem nega-la ou exagera-la.
Bondade: consiste em sentir vontade de ajudar, de amenizar o sofrimento; em ser tão gentil com nós mesmos, sem nos julgarmos, como faríamos com um amigo; em nos confortar ativamente, em especial quando a dor é causada por nossos próprios erros.
Senso de humanidade: significa reconhecer que não estamos sozinhos na nossa imperfeição, fragilidade e falhas; de perceber a nossa experiência dentro de uma experiência humana mais ampla e comum.
Quando os pais usam a crítica, as crianças entendem que ela é um mecanismo motivacional apropriado e inevitável. Pesquisas mostram que crianças que crescem com pais críticos tornam-se críticas não somente aos outros, mas também de si mesmas. Se nos depreciamos regularmente, na verdade estamos tentando, de forma distorcida, nos proteger de mais críticas e danos.
A autocrítica, que também está associada à depressão, enfraquece nossas capacidades e nos prejudica, ao invés de nos ajudar a fazer o nosso melhor. Em contraste, a autoconfiança e a crença em nossas próprias habilidades têm um impacto significativo no alcance de nossos objetivos.
Comparando autocompaixão com autoestima
Pesquisadores estão percebendo que, ao investigarem se a autoestima proporciona uma vida feliz e bem-sucedida, talvez estivessem focando na análise errada por décadas.
Aspectos negativos da autoestima incluem narcisismo, personalidade autocentrada, preconceito, discriminação, raiva, ansiedade e depressão. Já a autocompaixão tem os mesmos benefícios da autoestima, porém sem estes inconvenientes, oferecendo a mesma proteção contra autocríticas duras e sem a necessidade de se ver como alguém perfeito ou melhor do que os outros.
A autocompaixão está disponível para nós em dias bons e ruins, quando cometemos erros, e quando lutamos. Ao invés de julgar, comparar ou avaliar, podemos nos relacionar com nós mesmos com bondade e gentileza. Sólida e estável, a autocompaixão está disponível quando temos sucesso e também quando falhamos.
Viés da negatividade do cérebro
Por que achamos tão fácil sermos gentis e afetuosos com os nossos amigos quando eles falham em um objetivo, mas tão difícil fazer o mesmo por nós mesmos? O cérebro tem o que chamamos de viés da negatividade: simplesmente, eventos negativos são mais dominantes do que os positivos. Na pré-história, era mais importante para os primeiros humanos perceberem um animal perigoso do que uma bela flor. Mesmo quando crianças são disciplinadas de uma forma amorosa, elas podem interpretar os sinais dos pais ou dos professores como algo ruim. Consequentemente, a porcentagem de pensamentos negativos que uma pessoa tem diariamente é de aproximadamente 80%. Ainda que isso seja normal, não é útil para um músico que precisa desenvolver autoconfiança. Nossa tarefa como adultos é mudar esse viés da negatividade, e isso é perfeitamente possível devido à capacidade do cérebro de ser alterado (neuroplasticidade).
Vamos nos tornar preguiçosos se praticarmos a autocompaixão?
Esta é uma grande preocupação, expressada frequentemente pelos meus clientes, que acreditam que somente se forem duros consigo mesmos poderão realizar alguma coisa. Indulgência é um prazer de curto prazo: isso é o mesmo que um dano a longo prazo? Por exemplo, se você receber uma massagem ou se permitir seguir em frente após um erro, não é isso que vai realmente ajudá-lo, ao invés de algo que você não pode conseguir? Você não precisa deixar o viés da negatividade assumir o controle. O objetivo da compaixão é sempre o bem-estar.
Repreender a si mesmo é a única maneira de conseguir tocar?
A repreensão de si mesmo produz estresse. Isso faz seu corpo desligar, sua mente perder a fé em si mesmo, causando depressão e doenças. A autocrítica deixa você com medo do fracasso. Ao invés disso, quando nos confortamos através da autocompaixão, nos sentimos seguros e acalmamos nosso sistema nervoso. Somente em um ambiente interno de segurança, positividade, relaxamento e apoio é que podemos crescer ou aprender de maneira produtiva de verdade. Pesquisas mostram que pessoas compassivas consigo mesmas são tão propensas a ter padrões altos quanto as outras, são mais capazes de enxergar possibilidades de mudança e de fato podem tomar essas atitudes por si mesmas.
Segundo Kristin Neff, a autocompaixão é um motivador mais eficaz que a autocrítica, porque a força motriz da autocompaixão é o amor, não o medo. Enquanto a autocrítica pergunta “Eu sou bom o suficiente?”, a autocompaixão pergunta: “O que é bom para mim?”.
Você está se criticando agora porque não é compassivo com si mesmo?
Quando faço essa pergunta nas oficinas de autocompaixão que promovo, todos riem, o que mostra que a resposta é “sim” para a maioria das pessoas. Se isto é verdade para você, procure ser compassivo consigo mesmo em relação a sua autocrítica. Sua autocrítica pode estar tentando mantê-lo seguro, mas está fazendo isso de um modo infrutífero.
Outros resultados da autocompaixão
Um dos resultados mais consistentes nas pesquisas é que pessoas compassivas consigo mesmas tendem a ser menos ansiosas e deprimidas, o que significa que a autocompaixão nos protege da ansiedade e da depressão. Quando paramos de nos julgar e avaliar, não precisamos nos preocupar tanto com a aprovação alheia. Trabalhamos por motivação interna, não por motivação externa. Quando algo dá errado, como acontece frequentemente, não pensamos que somos anormais pelo fato de não sermos perfeitos. Não imaginamos que há algo de errado conosco. Assim como há sombra e luz no mundo, imperfeições existem.
Não precisamos nos livrar do estresse. Em pequenas quantidades, o estresse é motivador e parte da vida real. Temos prazos, recitais, testes, concertos e competições. O segredo é não sentir um estresse esmagador.
Como podemos aprender as técnicas da autocompaixão?
Algumas delas estão listadas na barra lateral que acompanha este artigo. É mais fácil do que você pensa: você tem feito isso para os outros o tempo todo. Talvez você possa começar falando com você mesmo, com simpatia, assim:
“Estou aqui com você. Sinto muito que esteja difícil neste momento. Todos se machucam assim às vezes. Eu me amo. Eu me amo mesmo se me atrapalhei. Eu não quero ME machucar. Eu mereço ser benevolente comigo mesmo, não importa o que aconteça. Vou tirar uns minutos agora para me aprofundar e sentir aquele lugar onde sou Bondade pura”.
Ou diga qualquer coisa que tranquilize e conforte você. Em um primeiro momento, pode parecer estranho falar com você mesmo dessa maneira, mas, com a prática, a sensação é… bem, maravilhosa.
Quando meus clientes aprendem a falar com eles mesmos com autocompaixão, os resultados são muito visíveis para mim. Seus corpos relaxam. Eles respiram mais profundamente. O estresse que apenas minutos antes contraía seus rostos simplesmente desaparece e é substituído por suavidade, clareza, tranquilidade e, às vezes, por um sorriso largo e radiante. Eles relatam sentir esperança e confiança, ao passo que, minutos antes, estavam cheios de desespero e frustração.
Convido você a se inundar de autocompaixão agora. Reconheça sua fragilidade e dor. Ame-se. Seja gentil com você mesmo. Sinta sua conexão com a humanidade. E quando acabar de ler este artigo, o seu “eu” estará mais autêntico e mais amoroso, tocará todos ao seu redor nos dias que virão, e você vai fazer diferença no mundo, começando por você mesmo.
Direitos autorais 2014 Helen Spielman
Publicado originalmente em Overtones!, periódico do World Flute Society, em novembro de 2014.
Muitas das informações contidas neste artigo foram extraídas ou adaptadas dos livros e seminários de Kristin Neff e Christopher Germer, a quem sou grata.
Helen Spielman é uma coach de performance cuja paixão é ajudar músicos a maximizar seu mais alto potencial no palco. Ela ensina a prática positiva de falar sozinho associada à performance, autocompaixão, a diminuir o perfeccionismo e a preocupação com a aprovação alheia, concentração e performance consistente. Helen trabalha com músicos, mães e executivos de negócios internacionalmente, por telefone e Skype. Seu livro “A Flute in My Refrigerator: Celebrating a Life in Music” é um sucesso de vendas e está disponível no site da Amazon (em inglês) e em lojas especializadas em flauta. Para mais informações, visite http://PerformConfidently.com.
“A compaixão é a antitoxina da alma: onde há compaixão, até mesmo os impulsos mais venenosos permanecem relativamente inofensivos” – Eric Hoffer, escritor norte-americano
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Algumas técnicas para desenvolver a autocompaixão
Teste seu nível de autocompaixão em www.self-compassion.org (em inglês).
Aprenda a usar de forma positiva a prática de falar sozinho.
Desenvolva um mantra de autocompaixão. Por exemplo:
“Estou passando por um momento muito difícil agora. Todos se sentem assim de vez em quando. Agora estou enfrentando minha dor com ternura. Eu ofereço compaixão a mim mesmo”.
“É doloroso para mim me sentir assim. O sofrimento faz parte da vida. Agora me trato de forma gentil e amorosa. Encontro caminhos para falar comigo mesmo e me tratar de modo compassivo”.
Mantenha um diário de autocompaixão.
Tente manter um diário por uma semana a três meses. Quanto mais tempo você o mantiver, mais profundas serão as mudanças que você vai notar. Você pode incluir em seu diário:
Saboreie (eu chamo de “chafurdar-se em”) suas experiências boas: antecipe-as, esteja nos momentos conforme eles acontecem, e encontre maneiras de faze-los durar mais tempo. Estas opções foram mostradas para aumentar a alegria.
Use a visualização da autocompaixão (veja no livro de Kristin Neff, p. 129).
Livros e material complementar
LIVROS
Self-Compassion: Stop Beating Yourself Up and Leave Insecurity Behind, de Kristin Neff. O melhor livro sobre autocompaixão, escrito pela principal pesquisadora do assunto. Baseado em pesquisas, mas fácil de ler e repleto de ideias, informações, histórias, exercícios e referências.
Self-Compassion Step by Step: The Proven Power of Being Kind to Yourself (audiolivro), de Kristin Neff. Caro, mas é maravilhoso ouvi-la.
The Mindful Path to Self-Compassion: Freeing Yourself from Destructive Thoughts and Emotions, de Christopher K. Germer. Outro bom livro, com informações excelentes. Material adicional no final.
Living with Your Heart Wide Open: How Mindfulness and Compassion Can Free You from Unworthiness, Inadequacy, and Shame, de Steve Flowers e Bob Stahl. Oferece boas informações e muitas práticas de meditação.
Comece onde você está: um guia para despertar nosso autêntico coração compassivo, de Pema Chodron (Ed. Sextante). Uma perspectiva budista.
LAO: The LAO Five Paths to Self-Compassion, de Larry Tobin e Randy Russell. Um livro simples e curto, com 60 páginas, mas aborda o tema de maneira prática.
Calming Your Anxious Mind: How Mindfulness and Compassion Can Free You from Anxiety, Fear and Panic, de Jeff Brantley. 2ª edição. Excelente livro com informações claras sobre ansiedade e ótimas meditações, e de que forma aplica-las contra o medo e preocupações.
WEBSITES
Página de Kristin Neff (em inglês). Muita informação, pesquisa e onde é possível acessar de forma gratuita o teste de nível de autocompaixão desenvolvido por ela. Teste sua autocompaixão agora, e novamente daqui a alguns meses!
Página de Christopher Germer (em inglês). Muita informação e meditações guiadas para a autocompaixão.