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“A educação musical começa na barriga da mãe”
Por Luciana Bento*
Uma das principais pesquisadoras dos efeitos benéficos da música em bebês prematuros, a doutora em Ciências da Saúde e professora da Escola de Música da UFMG Betânia Parizzi é uma entusiasta da educação musical na primeira infância.
Para ela, os primeiros três anos de vida são fundamentais para o aprendizado e desenvolvimento do ser humano, em qualquer área. E não é diferente com o ensino da música. “Se a formação musical na primeira infância fosse valorizada, talvez o País tivesse mais pessoas interessadas em estudar música em profundidade, em investir na prática musical de excelência”, defende.
Nesta entrevista exclusiva para a Revista Tuhu, ela explica o porquê desta opinião, defende os avanços trazidos pela lei 11.769 e aponta a principal dificuldade para colocá-la plenamente em prática: “falta formar nossos professores”.
A senhora coordenou uma pesquisa que mostra que bebês prematuros, que nasceram com poucas chances de vida, reagiram muito bem ao tratamento. Conte um pouco deste trabalho pra gente.
Fizemos um trabalho com bebês nascidos com entre 26 e 30 semanas de gestação, com o peso variando entre 500 e 900 gramas, em situação de sério risco. Depois que eles tiveram alta hospitalar, eles participaram de aulas de música comigo semanalmente durante sete meses no Ambulatório da Criança de Risco – ACRIAR do Hospital das Clínicas da UFMG.
Acompanhamos o desenvolvimento de 40 bebês e chegamos, ao final, à conclusão de que os bebês com os quais o trabalho de musicalização foi feito tiveram desenvolvimento muito maior em termos gerais em relação aos que não foram submetidos a este contato.
Eu ainda acompanho alguns destes bebês e vou ficar com eles até a alfabetização para ver até que ponto terão ou não sequelas em decorrência da prematuridade.
Mas bebês tão novinhos “entendem” o que estão ouvindo? Como se dá esta sensibilização?
Existe um teórico norte-americano, que é músico, educador e pesquisador, chamado Edwin E. Gordon que diz o seguinte: “os 18 primeiros meses de vida são cruciais para que a pessoa aprenda com todo o seu potencial. Se ela não tem os estímulos devidos neste período, vai ter que correr atrás do prejuízo mas jamais vai conseguir o patamar de desenvolvimento que teria se fosse devidamente estimulada nestes primeiros 18 meses”.
É uma ideia um tanto radical, mas ele tem razão quando busca sensibilizar as pessoas para a educação dos bebês. As pessoas acham que eles precisam de comida, roupa, vacinas, coisas muito práticas para a sua sobrevivência. Até pouco tempo atrás, as pessoas embrulhavam o bebê recém nascido naquelas mantinhas e o confinavam em um quarto escuro, em silêncio, pra ficar quietinho.
Hoje, com as pesquisas na área da neurociência, já se sabe que os bebês têm competências que os adultos nem imaginam. Quando tive contato com estas pesquisas, eu já estudava os bebês prematuros e comecei a perceber a importância da música na comunicação e expressão dos bebês. Este foi meu pressuposto, reforçado pela teoria do Gordon.
O trabalho de Gordon foi desenvolvido com crianças a partir do nascimento. Mas hoje já se sabe que, com 23 semanas de gestação, o feto ouve sons internos e externos. Ou seja, a educação musical pode começar antes do bebê nascer! Ele já vem ao mundo com memórias sonoras, formais, rítmicas, melódicas, de timbres, memórias expressivas…
Pelo que entendi, esta capacidade de aprendizado não seria apenas em relação à música, mas abarcaria outras habilidades também, certo?
Um ótimo exemplo é a língua materna. A criança tem contato desde a barriga da mãe e quando começa a falar tem uma facilidade incrível de assimilação. Mas se a criança só ouvisse gravações de pessoas falando e não tivesse contato com o adulto falando ao vivo para ela, não aprenderia a falar. Porque para aprender a falar, ela precisa ver e ouvir, ela vê e ouve o rosto do adulto, sua mímica facial… Ela aprende já com o caráter expressivo do que está sendo falado.
O mais interessante é que o aprendizado da língua interfere no aprendizado musical e vice versa. O bebê que tem aula de musicalização vai ter uma oratória muito mais bem trabalhada, ele vai ter um repertório muito maior de sons, de timbres, de contrastes. Por isso que o aprendizado da música interfere no aprendizado da língua materna, porque a música dá essa dimensão expressiva à fala.
E como a família pode fazer, concretamente, para estimular musicalmente seus bebês e crianças?
Vamos lá: o adulto deve colocar o bebê sentadinho de frente e, olhando para ele, deve conversar e cantar com o bebê. A música gravada, não tem, nem de longe, a mesma eficácia da música cantada ao vivo. Seria o mesmo que colocar a gravação de uma pessoa falando e falar ao vivo com o bebê.
O adulto também pode interagir com o bebê por meio de sons inventados, percussão no próprio corpo, instrumentos, objetos… Esta comunicação não precisa da palavra, e sim da musicalidade da fala.
A diversidade também é muito importante, colocar obras de várias culturas, de várias épocas, música erudita, popular, étnica, folclórica… privilegiando também a música sem texto, para que o bebê fique mais atento à musica e não às palavras.
Pode-se colocar uma música, andar, balançar e dançar com o bebê. Depois interromper a música e o movimento. É impressionante o que os bebês fazem para que o movimento continue, para que aquela alegria continue.
Bem, a partir deste entendimento da importância da musicalização de bebês e crianças na primeira infância, vem a pergunta: como fica a situação desta faixa etária dentro da lei que prevê o ensino de música nas escolas?
A própria educação infantil no Brasil é muito recente. O ensino de música para esta faixa etária então, nem se fala! Teoricamente a educação infantil entra nesta obrigatoriedade porque a educação básica integra tanto a educação infantil quanto o ensino fundamental e médio.
Só que entre a promulgação da lei e a sua implementação existe um abismo absurdo. Não temos educadores musicais formados para atender a demanda de milhões de crianças e jovens. Imagine de bebês e crianças até 06 anos!
Eu fiz uma conta que mostra que no ritmo que vamos, talvez, daqui a 400 anos a gente tenha ensino de música em todas as escolas. É que simplesmente não temos professores de música para atender a demanda.
Mas defendo que o conteúdo musical pode ser ministrado não apenas por especialistas, apesar deste ter sido um ponto bastante criticado na lei. Pode ser que haja alguma perda de qualidade mas, no Brasil, não tem outro jeito.
Se nós não temos o profissional especialista para ir às escolas, temos que contar com aquele professor generalista que está ali com a criança. Temos que formá-lo musicalmente, para que ele seja um aliado do professor especialista de música quando este chegar à escola.
Sim, porque o quadro que a senhora apresenta não é nada animador…
Eu acho que a gente tem que ser otimista, porque a situação atual é melhor do que antes. Eu acho que está havendo uma integração das universidades, publicações de muitos artigos científicos, uma mobilização em nível nacional… Nos grandes centros, nas capitais, e em muitas cidades do interior estão sendo criados cursos de licenciatura em música. Este assunto tem sido muito debatido. Esta entrevista é um exemplo do interesse que está havendo pelo tema. Sem dúvida, é um avanço.