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Espaço de afeto e boas lembranças
Por José Henrique Nogueira*
Ensinar música não é uma tarefa fácil. Todos que iniciam essa tarefa se deparam com um universo de ideias, desejos e fantasias que os alunos carregam consigo. Uma pessoa, de qualquer faixa etária, carrega com ela “ideias prévias”- que aqui vou tratar como conhecimentos informais que os alunos têm sobre determinadas matérias, disciplinas ou temas, no caso, a música.
Estas representações mentais que os alunos têm, mesmo que supostamente equivocadas, exercem uma força muito grande na relação ensino/aprendizagem que vai se estabelecer, podendo dificultar ou facilitar a aproximação em direção à música.
São vários os fatores que motivam as pessoas a procurar por atividades musicais. Pessoas com mais experiência de vida podem procurar uma aula de música para resgatar um sonho antigo de vir a tocar um instrumento, para recuperar uma música que esteve parada por muito tempo e que, por algum motivo, resolveu reativá-la ou ainda, por sugestão terapêutica de um médico, de um amigo.
Acolher demandas dos mais vividos pressupõe uma didática mais delicada, voltada para o acolhimento em primeiro lugar. O aluno deve se sentir bem com o professor, este deve estar aberto a ouvir suas histórias, que no caso são muitas, geralmente ligadas a família, amores e até mesmo a frustrações de tentativas musicais passadas que porventura não deram certo.
A direção a ser tomada, a didática a ser empregada, será uma construção a partir da relação estabelecida. Quero dizer com isso que o professor precisa ficar atento para escolher bem o caminho. Este poderá ser um trabalho específico com o instrumento escolhido, apresentar outros que não estavam nos planos, escutar e cantar canções que estão envolvidas em suas histórias de vida – e até mesmo dançar, se houver ousadia e espaço para isso.
Acredito que o conceito de música deve ser ampliado para acolher os desejos e fantasias que vierem a seu encontro. Cada pessoa que nos procura é um aluno em potencial com muitas “ideias prévias” musicais e, no caso dos mais vividos, algumas já bastante cristalizadas.
Logo, é importante não reduzir o trabalho à aprendizagem de um instrumento, não se importar com “erros rítmicos e as desafinações melódicas” e, por fim, é importante abrir espaço para a escuta das “histórias musicais” que estão instaladas na memória.
A prática, o fazer musical, é necessária, assim como o são as histórias, alegrias e brincadeiras. Para se trabalhar música com alunos com mais experiência de vida, é importante criar um sistema de percepção capaz de interpretar as possibilidades e impossibilidades musicais.
Esses alunos que venho chamando de “mais vividos” trazem junto com o desejo da música uma outra concepção de tempo. Essa dimensão – o tempo – na qual estamos inseridos passa a se estender, torna-se mais longa, é regida em andamento “largo”, o menos passa a ser mais, as semifusas tornam-se breves.
E eles trazem, acima de tudo, uma forte vontade de continuar, de seguir em frente, de cantar, de tocar cada vez mais seu instrumento. Ensinar música, tocar junto com seu aluno, é uma troca, é partilhar a todo instante.
*José Henrique Nogueira é mestre em educação musical e musicoterapeuta, compositor e coordenador do Espaço 23, no Rio de Janeiro, onde também dá aulas de música.