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Excedendo limites da música
*Por Sara Bentes
“A vida sem a música seria um engano.” – Friedrich Nietzsche
É chover no molhado falar do imensurável valor da música. Mas, e quanto às pessoas com limitações físicas e sensoriais? Será que as pessoas com deficiência têm as mesmas oportunidades de acesso aos incontáveis benefícios da música?
No Brasil, temos um crescente cenário de histórias e projetos que só comprovam que ninguém consegue viver sem música, nem mesmo aqueles que não podem ouvir. A comunidade surda encontra cada vez mais projetos, eventos e vídeos que, por meio da língua brasileira de sinais (Libras), tornam a música e suas mensagens acessíveis. Em São Paulo acontece anualmente a Sencity, festa multissensorial gratuita, desenvolvida pelo Museu de Arte Moderna (MAM) em parceria com a comunidade surda. O evento conta com pista de dança que vibra de acordo com a música, apresentações artísticas interpretadas em Libras, e aroma-jóqueis (DJs que mixam aromas de acordo com a música). Mas não é só como espectadores que os surdos têm vivenciado a música. O projeto brasiliense Surdodum desde 1995 ensina percussão, música e canto a jovens surdos. É gratuito e destinado ao público do Distrito Federal. A fonoaudióloga e professora Ana Lúcia Soares, criadora do projeto, diz que usa a batida do coração como referência musical para ensinar aos surdos. Já que é percebida internamente.
Já para pessoas com deficiência física, pode não existir barreiras sensoriais no acesso à música, mas as tão faladas barreiras arquitetônicas se fazem presentes até na arte, como relata o rapper paulistano Billy Saga, cadeirante. Ele diz que, como consumidor, encontra a falta de acesso arquitetônico a shows e eventos culturais; como artista, encontra as mesmas barreiras arquitetônicas no acesso a palcos e camarins.
Indo um pouco mais além: seria possível a pessoas com deficiência física nos membros superiores o acesso ao estudo de um instrumento musical, por exemplo? Grandes artistas brasileiros, como o cantor e tecladista cearense Davi Valente, que toca teclado com os pés, e a pianista niteroiense Mirian Esteves, que nasceu sem a mão e parte do braço esquerdo e, desde os 6 anos, estudou e desenvolveu sua própria técnica de tocar com a mão direita e a ponta do braço esquerdo, mostram que as soluções existem.
Soluções inteligentes também não faltam na forte relação dos cegos com a música. Os programas leitores de tela, vozes sintetizadas que leem conteúdo em texto no computador, já permitem a músicos cegos o uso de programas de edição de áudio. O compositor carioca Luiz Otávio, cego, grava e edita em casa os arranjos das músicas de sua banda (também carioca), a Vista Grossa, formada por quatro músicos cegos.
Por outro lado, a falta de acessibilidade ainda é grande, tanto em shows — e outros produtos culturais, como videoclipes, que raramente contam com a audiodescrição (recurso que descreve em palavras os conteúdos visuais) — quanto em ambientes digitais, como sites usados por músicos profissionais independentes que precisam gerir suas próprias carreiras. Esses sites, mesmo com o auxílio dos leitores de tela, são inacessíveis para cegos, por não serem construídos de acordo com as normas de acessibilidade digital.
Um meio onde não observamos muitas dificuldades no acesso à música é o das pessoas com deficiência intelectual. Vemos neste caso é um fortíssimo papel terapêutico e pedagógico da música e das artes em geral. Um exemplo inspirador é o projeto “Música Em Movimento”, promovido pelo Instituto Norberto, de Campinas – SP. No projeto, crianças e adultos com deficiência intelectual participam de oficinas de música, aprendendo e vivenciando a arte. Segundo a coordenação pedagógica, a partir do contato com a expressão artística, os alunos passam a organizar melhor as ações, emoções e pensamentos.
Sara Bentes — cantora, compositora e atriz, consultora em inclusão de pessoas com deficiência e autora do livro de crônicas Quando botei a boca no mundo.