Ir para o Topo

Você é educador ou educadora?

Sim

Não

Ministério da Cultura e Grupo Priner apresentam

Alto Contraste

A+ Aumentar Fonte

A- Diminuir Fonte

VLibras Acessibilidade

Revista

Poesia contra preconceitos

Foto: Divulgação

Por Luciana Bento*

Muita gente se surpreendeu (e se chocou) quando Ney Matogrosso surgiu, no início dos anos 70, dançando sensualmente na TV: visual andrógino, batom negro nos lábios, rosto pintado de branco, longos brincos, calças coladas, dorso nu. Em plena ditadura militar, o corpo e aparência de Ney se tornaram um potente ato político ao expressar o direito à liberdade, ao diferente, as minorias.

Mais de 40 anos depois, uma jovem do interior de São Paulo explode nas redes ao lançar suas canções no YouTube usando turbante, brincos, saia, batom e barba em suas vigorosas performances musicais que alcançaram mais de um milhão de visualizações em poucos dias. Trata-se de Liniker, artista que conquistou um público fiel com seu visual intrigante, voz potente e suingue de sobra.

Ela (sim, Liniker prefere ser chamada no feminino) faz parte de uma geração que utiliza a música como um potente veículo de empoderamento e aceitação.. Em alguns casos, há letras contundentes, que falam explicitamente das violências e preconceitos sofridos. Mas nem sempre as canções tratam diretamente de temas politizados ou levantam alguma bandeira de forma direta.

“Minha música tem múltiplas missões”, relata Rico Dalasam, primeiro rapper brasileiro a assumir a homossexualidade. “Ela pode entreter, conscientizar, problematizar, enaltecer o corpo como ato político, aliviar, divertir, trazer um alento para continuar a caminhada muitas vezes dura que temos…”.

Liniker, por exemplo, versa, em suas canções, sobre amor, relacionamentos, encontros e desencantos. O discurso, ativismo e resistência já se revelam em seu corpo, sua atitude, sua pele – em resumo, em ser quem ela é: “sou bicha, pobre e negra e batalho por este povo”, costuma dizer em entrevistas.

Mas há artistas, como a funkeira MC Carol e a rapper Karol Conka, que apostam em letras mais diretas e incisivas. Um exemplo é a canção 100% Feminista, parceria das duas:

”Sou mulher independente não aceito opressão/Abaixa sua voz, abaixa sua mão”, canta a funkeira. ”Desde pequenas aprendemos que silêncio não soluciona/Que a revolta vem a tona/Que a justiça não funciona”, responde Karol Conka. “Mulher oprimida sem voz obediente, quando eu crescer eu vou ser diferente. Eu cresci, Carol/Karol bandida, represento as mulheres, 100% feminista”, diz o refrão da música.

As duas K/Carol são rostos novos da música brasileira e tem marcado sua atuação pela postura contundente na luta contra o machismo e o racismo. No entanto, quem roubou a cena em 2016 foi uma veterana: Elza Soares que, aos 78 anos, lançou um álbum abertamente feminista, A Mulher do Fim do Mundo.

Mulher, negra e de origem pobre, Elza subverte há décadas as ordens impostas. Casou-se, obrigada pelo pai, aos 12 anos de idade, aos 13 anos já era mãe, e ficou viúva aos 21 – com quatro filhos para criar. Elza poderia ter um destino como de tantas outras mulheres na mesma situação, mas tornou-se uma das maiores cantoras da música popular brasileira, admirada e premiada dentro e fora do País.

Quase octogenária, ela não se acomoda. Seu último álbum traz letras fortes e aborda temas que ainda são tabu na sociedade brasileira, como a violência doméstica. “Você vai se arrepender de levantar a mão para mim”, canta Elza no single “Maria da Vila Matilde”. Uma diva.

Ó abre alas

Mas se hoje várias mulheres se levantam para cantar, versar e falar de empoderamento e feminismo, é porque em décadas passadas algumas percussoras se posicionaram – por vezes solitariamente – contra preconceitos e regras impostas pela sociedade. Chiquinha Gonzaga é uma delas.

Ela fez da música o seu meio de vida e caminho para libertar-se das amarras sociais a que as mulheres do século 19 estavam, invariavelmente, atadas. Chiquinha abandonou marido (que a afastou dos filhos) e amante para dedicar-se à sua carreira como compositora de polcas, valsas, choros e maxixes, como “pianeira” em grupos de música instrumental e, mais tarde, maestrina.

Não é difícil imaginar que Chiquinha fosse a única mulher em diversas situações e ambientes que frequentava durante a sua longa e produtiva carreira. Mas é difícil imaginar que ainda hoje, em pleno 2017, as mulheres ainda ocupem tão poucos lugares em orquestras e grupos eruditos.

Exceção à regra, a regente da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), a nova-iorquina Marin Alsop, acredita que o microcosmo da música clássica reflete o que acontece na sociedade como um todo. “As mulheres ocupam muito poucas posições de liderança e altos cargos nas empresas em geral. E quando isso acontece, elas são bem mais cobradas do que os homens”, diz. “Eu acredito que, à medida que mais e mais mulheres ocuparem estes postos, mais natural e aceito será”.

Para incentivar a formação e colocação de mais mulheres em orquestras no mundo, Marin criou o projeto Taki Concordia Conducting Fellowship (http://www.takiconcordia.org), que ajuda a posicionar mulheres em orquestras de várias partes do mundo. “Estou animada com o crescimento da participação de mulheres em orquestras, mas precisamos ficar atentos e criar oportunidades reais para que elas continuem atuando neste campo e conquistando mais espaços”, explica Marin.

Se, em pleno século 21, as mulheres ainda estão lutando para galgar espaços, o que dizer das pessoas LGBT? Será que as orquestras, grupos e mesmo o público estão abertos para aceitar – sem restrições – talentos de qualquer gênero e sexualidade?

O cellista norte-americano Eric Edberg conta que, quando estudava na prestigiada escola Juilliard de Artes e Música, no final dos anos 70, jovens homossexuais precisavam esconder a sua condição sob o risco de serem expulsos da escola. Ele, que foi um deles, acredita que as coisas melhoraram de lá para cá, mas não a ponto – ainda – de se tornarem naturais.

“Um casal amigo tem um filho gay e ambos apoiam o jovem, que está preparado para lidar com o mundo à sua volta, se assumir e não ter vergonha de quem ele é”, conta. “Muito diferente de mim, que tive que ouvir meus pais dizerem que eu estava doente e precisava fazer terapia”, diz Eric, que hoje se apresenta em diversos países do mundo e busca levar a música erudita a locais não tradicionais como hospitais, metrôs e prisões.

Com a proposta de criar um ambiente amigável para este público, foi fundada, em 1996, a London Gay Symphony Orchestra. Embora acolha e aceite músicos de todos os gêneros e sexualidades, o foco da orquestra é ampliar o espaço para músicos LGBT no mercado. Com agenda lotada, a orquestra faz questão de se apresentar em eventos que celebram o orgulho gay e participar de campanhas voltadas para este público – além de agenda e programação próprias.

Risco por ser quem se é

Outra denúncia – infelizmente atual – é contra o racismo e a violência contra jovens negros de periferias. “Sou jovem, negro e gay cantando rap e isso às vezes causa rejeição, às vezes causa aceitação. Acho isso natural, o novo traz um estranhamento”, pondera Rico Dalasam.

“No entanto, o ponto que eu considero crucial para avançar nesta discussão é entender que só esta configuração – ser negro, jovem e gay – já me deixa vulnerável. A mim e a tantos jovens negros de periferia que, apenas por existir, já recebem olhares de ódio, repulsa, preconceito. Basta olhar as estatísticas, ver quem morre neste país vítima de violência policial, crimes de ódio”, problematiza.

Um discurso mais do que necessário, sobretudo em uma sociedade desigual e com raízes escravocratas como o Brasil. Mais uma ferida que MC Carol faz questão de colocar o dedo: em sua contundente canção “Delação Premiada”, ela faz a crítica de forma crua. O funk fala das humilhações, agressões e assassinatos de jovens da favela, sobretudo pela polícia.

“Troca de plantão a bala come é vera/Ontem teve arrego/Rolou baile na favela/Sete da manhã/Muito tiro de meiota/Mataram uma criança indo pra escola/Na televisão/A verdade não importa/É negro, favelado, então tava de pistola”.

Realidade distante da vida da funkeira? Claro que não. Tristemente previsível, a música praticamente retrata o que aconteceu com sua colega Tati Quebra Barraco, que teve o filho de 19 anos morto durante uma operação policial na Cidade de Deus no Rio de Janeiro. Só mais uma prova de que o papel destes artistas continua extremamente atual, com tantas lutas e causas que ainda precisam ser tratadas, vencidas e superadas. Com amor e poesia.

Faça Parte

Inscreva-se para ver primeiro todas as novidades do Brasil de Tuhu.

Política de Privacidade do site

Patrocínio  

Copatrocínio  

Realização